DESCULPE, EU NÃO TENHO WHATSAPP
Aconteceu num shopping, no
final de tarde de um sábado recente. Eu bebia calmamente uma garrafa de água com
gás, depois de andar várias quadras, naquela tentativa de melhorar a saúde. O
lugar estava repleto de gente de todos os tipos. Num dado momento, olhei para a
praça de alimentação lotada e percebi que quase todos digitavam textos no
celular. Comiam sem olhar, bebiam por instinto, os dedos em forma de garras
digitando sem parar. Dai olhei para um canto, depois para o outro, em cada ponta
surgia uma moça perdida no mundo cibernético, andavam e digitavam ao mesmo
tempo. Nunca fui bom nas leis da física, sequer sei fazer contas, mas era
evidente que se nenhuma das duas olhasse para frente, a trombada seria
inevitável. Foi exatamente o que aconteceu. Uma das garotas caiu no chão e a
outra só não teve o mesmo destino porque conseguiu se amparar numa pilastra. Os
celulares voaram no chão e a única preocupação das duas garotas era com o
aparelho. Várias pessoas em volta começaram a filmar a cena e tirar fotos da
garota que caiu. Fiquei bastante irritado com o acontecido, mas não surpreso, já
vi gente filmando acidentes graves. Eu não tenho wathsapp e quando confesso este
meu pecado, as pessoas me olham como se eu fosse um ser primitivo, o homem das
cavernas que fala. Até tentei usar o dispositivo, mas simplesmente não
consegui. Comprei um aparelho de primeira geração e com tantas funções que
me perdi. Está jogado numa gaveta qualquer, não consigo encará-lo sem pânico e
chego à conclusão que pilotar um avião não deve ser mais difícil. Que saudades
dos bons tempos do email. Eu pertencia a um grupo e por lá trocávamos
correspondências, falávamos de tudo, surgiu uma amizade muito grande, que durou
mais de dez anos, embora a distância. Eu tento acompanhar a modernidade, hoje
tenho Facebook, que me toma muito tempo, mas sempre estou por lá falando com os
amigos, que são mais de mil, embora pessoalmente conheça no máximo vinte. Já não
é o suficiente? Ontem pedi pra minha mãe uma foto antiga e ela me disse
que me enviaria pelo “waths”! Até dona Dalva tem wathsapp, ela que é dos tempos
em que se esperava o carteiro no portão trazendo cartas, o que só acontecia
poucas vezes no ano. O que mais me surpreende nessa moçada do celular é a
rapidez e eficiência com que digitam suas mensagens. Fico impressionadíssimo. Eu
digito bem e rápido, sem olhar para o teclado, mas fiz curso nas antigas
máquinas de escrever, daí a habilidade, mas esses jovens nem sabem o que foi o
sistema qwerty, e ainda assim, digitam sem parar. Embora com medo de perder o
encanto com coisas naturais; o dia de ar puro, a noite de lua e estrelas que
cintilam, não pretendo desistir, vou comprar um celular mais acanhado, daqueles
que a gente fala, recebe mensagens e que tenha wathsapp, só isso. E então vou
sair digitando feito um maluco, o dia todo, a noite inteira, até aprender. Me
aguardem!
ANDRÉ LUIZ
ALVEZ
Publicitário, escritor e
ator de teatro
Acido13@gmail.comNota: O sapato está me servindo.
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