De medalhas, ditadores e sambistas

Carlos Lúcio Gontijo

Já confessei em meus artigos que fico surpreso com a quantidade de medalhas e diplomas que são distribuídos Brasil afora, gerando uma situação antagônica com tudo o que nos rodeia, onde a realidade cobra a presença de homens (e mulheres) capazes de imprimir trabalho administrativo dinâmico, progressista e sem a nódoa da corrupção e dos famosos 10/15% da famigerada propina, da qual se origina a simplista propagação do inaceitável “rouba, mas faz”.

Vivemos em tempo de democracia ajardinada por contornos ditatoriais, onde a intolerância, o preconceito e o ranço de autoritarismo podem ser detectados em praticamente todos os setores. Na política, por exemplo, as urnas do sufrágio eleitoral têm ungido administrações antidemocráticas e fechadas ao diálogo com a população, que ainda é vista como mera massa de manobra durante os períodos de eleição.

Não fosse assim, o governo mineiro não conviveria impassível com uma greve de professores estaduais dos ensinos fundamental e médio iniciada no dia 9 de junho de 2011. E, com toda a certeza, o governador do Ceará, Cid Gomes, irritado com o pedido de aumento de salário por parte dos professores de seu Estado, não cometeria o ousado desplante de dizer que “quem quer dar aula, faz isso por gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede demissão e vai para o ensino privado”.

Entretanto, a bem da verdade, a aversão ao diálogo não reside apenas nos poderes de comando do país, pois a própria sociedade se encontra metida no exercício do gosto pelo “prendo e arrebento”, principalmente se o preso e o arrebentado for o outro, que se dane o próximo! Em busca de tal constatação, basta passarmos pelos blogs e sites postados na internet, nos quais o que impera é a opinião radical de uma nota só, impedindo a existência de qualquer contraponto e contracanto. A nação se acha sob o signo do monólogo, para o qual contribuem até os grandes veículos de comunicação, que há muito abandonaram o princípio da isenção ou de pelo menos alguma demonstração de imparcialidade, optando por fazer dos fatos uma espécie de matéria-prima para desenvolver a edição de notícias com versões segundo os seus interesses econômicos e políticos sempre superiores aos da própria população, que espera algum dia ser homenageada com uma imprensa de verdade e voltada à constituição de uma nação menos injusta e mais determinada a formar cidadãos devidamente instrumentalizados e, portanto, mais capazes de cuidarem de si mesmos.

Como estamos distantes de alcançar o desejado patamar socioeconômico, coloco-me indignado perante o grande número de autoridades condecoradas e premiadas. Em solenidades como a da Inconfidência Mineira, é enorme o número de medalhas “cunhadas” e, quando qualquer figura do mundo político parte dessa vida, os necrológios se nos apresentam embebidos em elogios desmedidos e endeusamentos descabidos, propensos a uma quase canonização, fenômenos que me levam a não entender o porquê de socialmente nos engatinharmos desde o desembarque de Cabral em solo brasileiro.

Dito isso, a fim de quebrar o ambiente de amargor gráfico, recorro a duas histórias do mundo do samba: uma envolvendo Paulinho da Viola e a outra o também sambista Nelson Cavaquinho, mas que, no entanto, tiveram o mesmo desfecho. Ou seja, terminaram em samba e homenagem. Contam que Zé Keti e Helton Medeiros conheceram Paulinho da Viola ainda muito jovem e trabalhando como bancário. Impressionados com o talento de Paulinho resolveram tramar contra a sua permanência como funcionário de banco. Decididos, eles iam todos os dias para a porta da agência bancária e ficavam gritando aos berros: “Vamos, Paulinho, sai daí. Isso não é serviço nem lugar para você!” E tanto atazanaram que o promissor sambista acabou demitido, para a sorte da música popular brasileira.

Mais ou menos a mesma coisa se deu com Nelson Cavaquinho, que era soldado do Batalhão de Cavalaria da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Certa feita, quando fazia habitual ronda policial pelas ruas cariocas, parou em aprazível boteco onde um grupo de conhecidos jogava baralho. Amarrou seu cavalo no tronco de uma árvore e se entregou às cartas. Já era tarde quando notou que o cavalo se havia soltado. Despediu-se apressadamente dos parceiros de jogatina e tomou a direção do quartel, ao qual o cavalo chegara primeiro, sem o relapso soldado cavaleiro à sela.

Em ambos os casos, os personagens foram demitidos. Mais tarde, experimentando as glórias da fama e do prestígio (cada um ao seu tempo) foram espontânea e merecidamente homenageados: Paulinho da Viola pelo banco; e Nelson Cavaquinho pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, logicamente não pelos bons serviços prestados à instituição, mas pela excelência do artesanato que teceu com a sonora crina do alazão dos acordes musicais.

Carlos Lúcio Gontijo

Poeta, escritor e jornalista

www.carlosluciogontijo.jor.br

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