Creio que já era hora de atualizar os termos do juramento de Hipócrates, proferido pelos médicos nas solenidades de formatura. Tendo cumprido a sua missão em tempos idos, esse juramento, que pedia o testemunho dos deuses gregos, pode e deve enfeixar outras “cláusulas”, que não aquelas que compõem os seus termos tradicionais.
A presidenta Dilma comprou uma briga séria e relevante com a classe médica do país, ao editar a medida provisória que, se aprovada, fará com que, a partir de 2015, os estudantes que ingressem nos curso de Medicina tenham que trabalhar, depois dos 6 anos regulamentares do curso, mais dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS).
No mesmo conjunto de medidas voltadas para a área da saúde, a presidenta também pretende a contratação de médicos estrangeiros para cidades desprovidas de serviços adequados, depois de respeitada, nesse caso, a prioridade para os profissionais brasileiros.
Quanto mais nos aproximarmos da época das eleições, mais a política e os políticos, com sua feição maniqueísta, tenderão a analisar, segundo o viés eleitoral, qualquer proposta que venha do Governo. Isso vale para a oposição e também para os apoiadores. Qualquer medida sugerida por Dilma – candidata natural à reeleição - terá que enfrentar, portanto, os reacionários de plantão, os falsos defensores do povo, as raposas e urubus de sempre. Até 2014, mais do que nunca, haverá confrontos entre posicionamentos que privilegiam a busca da redução de desigualdades e os que ainda anseiam pela manutenção de privilégios ancestrais. Sei que muitos não gostam, trincam os dentes e enrugam a testa com a classificação, mas é esse embate que caracteriza a esquerda e a direita.
No caso dos médicos – que, no geral, compõem um segmento socialmente privilegiado - é conhecida a sua tendência ao corporativismo. Essa postura não é exclusiva da categoria e é claro que há figuras admiráveis na Medicina, profissionais de competência inquestionável , ética indiscutível e forte comprometimento social. Mas, no caso presente, não me parecem aceitáveis muitas posturas dos órgãos representativos da classe, de feição reacionária e egocêntrica, que, ás vezes, parecem esquecer que, mais que os seus interesses particulares, estão em jogo aspectos vinculados à saúde e à própria vida de vastos segmentos de cidadãos desassistidos pelo Brasil afora.
O modelo defendido pelo Governo para os futuros formandos de Medicina tem precedentes, por exemplo, na Inglaterra e na Suécia. E se é válido naqueles países, de desníveis sociais bem menos significativos, muito mais será no nosso, cuja população de baixa renda reclama por uma atenção minimamente digna. Os dois anos de trabalho junto ao SUS constituirão um oportuno reforço ao atendimento de que se necessita e, mais do que isso, permitirão aos novos médicos um contato direto com os problemas do segmento mais sofrido do povo. Um povo que, aliás, com seu trabalho, também ajuda o Governo a patrocinar os nossos custosos cursos de medicina, de que grande número de estudantes desfruta gratuitamente, embora muitos pudessem até dispensar tal gratuidade... Penso que essa será uma forma de retribuírem ao país e aos seus cidadãos os esforços feitos para que possam se tornar médicos.
Por outro lado, é também dever do Governo tentar equilibrar essa espantosa situação em que, só no município do Rio de Janeiro, o número de médicos com consultórios em uma dezena de ruas da zona Sul é superior ao número de localidades que, em nossa terra, não possuem um único médico. O Brasil possui 700 cidades que não têm um médico sequer residindo no município. Como não pode, infelizmente, obrigar os profissionais a se deslocarem de suas zonas de conforto, Dilma acena com um salário razoável e dá prioridade aos brasileiros para ocupar essas lacunas. E, sabiamente, oferece a profissionais estrangeiros os lugares não preenchidos.
Argumentam as entidades médicas com a ausência de estrutura nesses locais que permitam ao médico fazer um bom trabalho. E , com relação aos estrangeiros, questionam a sua capacidade e querem submetê-los ao “Revalida” , um teste no qual, segundo dizem alguns, muitos médicos brasileiros não passariam...
Tudo isso vale ser discutido, mas sem hipocrisia. Se uma comunidade não tem sequer um médico, é melhor que tenha pelo menos um... E que, com ele, venham também os suportes, que, aliás, o Governo admite suprir com o programa proposto. O que não se pode é conviver com a precariedade atual, questionada nas ruas do país. Outra alegação hipócrita tem a ver com a capacidade dos médicos estrangeiros, particularmente os cubanos, na alça de mira da turma da direita. Enquanto no Brasil a relação entre médicos e 1000 habitantes é de 1,83, em Cuba ela chega a 6,72. Com todas as dificuldades estruturais, a medicina cubana dá conta do recado na ilha e é, realmente, referência planetária em algumas especialidades. Entre as razões que justificam o sucesso cubano nesse aspecto está, seguramente, a filosofia que privilegia a medicina preventiva, que faz com que as famílias sejam permanentemente visitadas e assistidas por profissionais integrados àquela comunidade. Um jeito humanizado de reduzir custos com a saúde.
Dilma e seu governo têm falhas, é certo. Para mim, as duas maiores são a falta de um enquadramento – com denúncia direta ao povo - dos maus políticos que a chantageiam na chamada “base governamental” e a inaceitável “cortesia” com os seus desonestos desafetos da mídia. Mas, quando se trata do combate às desigualdades, penso que sua determinação é admirável. No caso das sugestões para a saúde, é de se lamentar que alguns hipócritas não queiram aceitar a releitura de Hipócrates, imposição dos tempos presentes.
muito bom e com meu sobrenome ainda
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