Opositor



Pra quê deblaterar contra a força de tendências obscuras, de vontades egoístas, de movimentos sorrateiros? Como aprender a caminhar no submundo de movimentos escusos, impuros; aprender a marchar no lodaçal com vermes engolfando-se em camadas pútridas e tilintantes.
        Navegar na noite sem lua, distante dos ventos, em meio aos ruídos dos insetos, debatendo-se com a coruja, em vôo rasante, chocando-se com a cornija saliente da teimosia; todo este esforço não passa de uma jornada inglória, destinada ao fracasso, quando se busca lisura, justiça. Este não é o ambiente propicio para a probidade progredir com seu andar solene. Melhor fechar os olhos e acordar em outras paragens plangentes.
        Quando eu morava naquela casa isolada, na extremidade da rua, rodeado de terrenos de terceiros, cobertos de árvores e arbustos, emprestando-nos sombra, e vento fresco, e quando chegava tarde da noite com minha mulher, não tínhamos nenhum receio de sermos atacados por bandidos com armas nas mãos, não tínhamos medo de sequestro, não pensávamos em nenhuma violência, isto porque contávamos com um efetivo policiamento, e havia nos pratos da plebe, o indispensável alimento. Não se aninhavam em nossos corações medos e receios. Éramos livres e felizes como passarinhos no sitio. O maior medo era o de perder a hora de assistir a novela das oito.
        Naquela época as casas não eram nossas presídios, as janelas não eram decoradas com grades de arabescos, pintadas de  branco, de azul e cor de rosa. Tanto fazia lá dentro como lá fora, a liberdade era a mesma, a paz era nossa eterna companheira. O travesseiro servia para acolher a cabeça e não como arma de sufoco.
        A brisa dividida escondia-se atrás de cada folha, espreitando-nos, e, quando nos via, vinha ligeira ao nosso encontro para brincar de correr, de voar, de soprar. Éramos amigos, companheiros e compartilhávamos nossos momentos lúdicos. Eu e minha companheira abríamos a porta do dia para nele entrar sem cerimônia, dispensando convites sóbrios, para entrarmos como amigos que éramos. A vida era um eterno sarau, onde os convidados degustavam aventuras audazes, dançavam ao som de melífluas gargalhadas, rodopiavam no grande salão do respeito e da decência. Nosso comportamento sempre foi translúcido como água de regato na floresta virgem.
        Hoje os tempos são diferentes, até o sol é político e negociador nos corredores escuros da indecência. A vergonha vive escondida na Catedral do Dever Cumprido. Não pode mostrar sua cara sob pena de desaparecer nos escaninhos dos ministérios.
        A alegria da vida está restrita aos lobos das estepes espúrias, sempre famintos de novas moedas, de grandes “contêineres” cheios de materiais dourados, de pérolas indecorosas transferidas das cavernas dos  Ali Babas palacianos.
        Correr nas ruas, jogar vôlei no campinho de terra negra, com os vizinhos amigos, brincar com as crianças das mães zelosas, comer do churrasco comunitário... nada disto existe mais, não existirá mais, não enquanto me dure esta vida de centurião romano, com a lança em punho guardando a vida da família. Imploramos que Esdras venha nos socorrer a todo momento, a cada dia que brilha na vila, impetramos a ele o dever da proteção enquanto cidadãos que somos. Virá?
        Somos o guardião do cofre da vergonha,  que os pútridos políticos lançaram na sarjeta do Congresso Nacional, onde os dejetos são o alimento diário da raça de homens desalmados.

Anchieta Antunes
Gravatá – 24/05/14.

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