Crônica de um dia triste - por Ednilson Leandro

Por Edenilson Leandro

Tomava meia taça de vinho, esperava o início de um filme na TV e escutava o barulho de uns pastéis fritando na cozinha quando o telefone tocou com um alerta e um chamado. A voz de colega alertava para o trágico acidente na Serra Dona Francisca e o chamado convocava-me a amanhecer no jornal para substituir companheiros que passariam a madrugada abastecendo o site de “AN” com o noticiário do acidente. O madrugar e o trabalhar eram o de menos para mãos calejadas. A imagem de famílias destroçadas que aquele alerta cravou é que foram golpes demolidores na alma sensível. De repente, o tinto perdeu cheiro e sabor, tudo ficou sem encanto e o coração acelerou em nome dos que partiram e dos que ficaram.
Propus ao meu corpo o recolhimento à cama, dormir antes do previsto para acordar bem antes do que fora combinado com a instituição domingo. Mas a dor na alma sensível latejava. É o que diferencia a raça, comover-se nas situações de aflição mesmo por pessoas as quais nunca viu, procurar respostas para o incompreensível e interrogar-se em singelo “por que, Senhor?”. Foram tentativas inválidas, um deita-levanta sem fim, intercalados pela curiosidade de acessar a internet, onde os números se alteravam para cima e remexiam chagas doloridas demais. Desenhava-se a crônica de um dia triste, que todo joinvilense, por mais distante que fosse dos personagens, sentiria, como sentiu ontem.
Vieram o levantar ainda no escuro, o banho e o peito apertado, em solidária vigília pelas vítimas do fatal despencar de um ônibus lotado na ribanceira que pontua nossa radiosa Serra Dona Francisca. Ganho a rua. Nela, gente uniformizada a caminho do trabalho. Em menor escala aos demais dias, ativos operários iniciando jornada. No ar, a melancolia para quem sabe que não é domingo normal, será a crônica de um dia triste. Na passagem em frente ao IML, uma virada de pescoço e a visão de movimento incomum ganhando corpo. E ainda não era nem perto o palco da aflição que viria a ser no domingo que jamais se esquecerá.
Impõe-se a reflexão sobre os caminhos e o destino da gente. Os mistérios que pontuam a vida e a morte desde sempre. Faltou freio? Faltou manutenção? Havia superlotação? Isso é decisivo? A estrada sinuosa e centenária precisa ser modernizada? Quem fiscaliza? Quem é que usa cinto em ônibus? Isso é decisivo? Em quais casos? Neste, especificamente?
O cérebro absorverá cobranças por necessárias respostas. O espírito torturado e o coração cortado darão mãos à comoção geral, em choro silencioso e solidário.

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