O investidor-bomba dentro da Celesc

Descendente de agricultores gaúchos, ex-seminarista e com duas incursões desastrosas no mercado de capitais no início da sua carreira, Lirio Parisotto hoje é dono da Geração Futuro Corretora de Valores, com carteira de investimentos de R$ 2,5 bilhões, 80% dinheiro seu. Ele também controla a Videolar, maior empresa nacional de fabricação de CDs e DVDs. Aos 56 anos, Parisotto só aplica em três setores, todos protegidos pelo governo brasileiro: siderurgia, bancos e energia elétrica. Maior investidor individual da Celesc, com 11,7% das ações, ele demorou para conquistar uma cadeira no Conselho, onde só sentou em 2007. Quando conseguiu, pediu para sair. – Vi tanta safadeza dentro da Celesc que não pude ficar. Deixei tudo registrado numa carta e saí para salvar o meu CPF – brinca. A carta, amplamente divulgada, apontou diversas irregularidades na Celesc. Parisotto comprou uma briga. Mas por quê? – Um dos meus mandamentos diz para apostar no azarão só para ter motivo para se desafiar e divertir-se. A Celesc é um azarão. Leia a seguir a entrevista que Lirio Parisotto concedeu ontem ao DC, no seu apartamento de frente para o mar, no Costão do Santinho, na Capital.
BARATA E RUIM

– Quando investi na Celesc, em 2001, ela estava com as ações mais baratas do setor de energia. E eu gosto de coisa boa e barata. Barata, a Celesc sempre foi. Boa, nunca. Mas o então presidente da empresa (José Fernando Faraco) anunciava um plano de demissões, que foi feito, ao custo de R$ 840 milhões, sendo que ainda faltam R$ 200 milhões para pagar. Em 2002, o governador Luiz Henrique da Silveira assumiu com um discurso de melhoria de gestão e modernização do Estado. Os dois fatores me fizeram aumentar a participação na Celesc. Eu ainda acho que a empresa não é um caso perdido. Falta gestão. Por isso, insisti para entrar no Conselho de Administração, para ver se minha experiência podia ajudar na gestão. Mas acabei descobrindo muita safadeza. Para começar, cada diretor tem seu dono, seu padrinho político. Alguns nem sequer têm capacitação profissional. A maior barbaridade que eu vi foi a tentativa de empurrarem o ex-prefeito de Imbituba Osny (Souza Filho) para a diretoria técnica. Um homem que nunca viu uma turbina na vida, só porque tinha vaga de diretor e ele estava desempregado. Não entrou na Celesc por pressão dos acionistas. Não sossegaram até arrumar um emprego para ele, que hoje está na Casan (é diretor de Planejamento, Orçamento e Informação). Porque pior do que a Celesc, só a Casan.

DENÚNCIA

– Eu tenho um defeito: sou craque na leitura de balanços. É chato, eu sei, mas as informações estão todas lá. Quando escrevi a carta, no meu último dia no Conselho da Celesc, 27 de abril de 2009, foi porque, lendo os balanços, descobri uma conta, a ser paga no longo prazo, chamada “dívidas para acertar com o Estado”. Era um furo de R$ 40 milhões. Pedi para abrir e apareceu o contrato de 1986, quando o governo sacou dinheiro do caixa da Celesc, prometendo pagar com dividendos futuros. Mas os dividendos nunca foram retidos. Na minha saída, perguntei ao diretor Arnaldo (Venício de Souza) porque não eram retidos. E ele disse que não ia reter. Ou seja, a diretoria compactuava, não havia nem sequer previsão da retenção desse dinheiro. Eu avisei que se não fizesse a retenção, eu denunciaria a Celesc à CVM (Comissão de Valores Mobiliários, órgão que regula o mercado de capitais). Eles não fizeram. Tanto que eu avisei a CVM numa quinta-feira, às 17h. E na sexta-feira, às 9h, a CVM tinha tomado uma atitude.

CRISE

– Com a carta, a CVM entrou na Celesc, o que instalou uma crise. O Eduardo Pinho Moreira (então presidente da Celesc Holding) se sentiu constrangido com essa situação e pediu para sair. O governador Luiz Henrique se deu conta do tamanho do problema, tanto que, no seu discurso de despedida, de mais de uma hora, nem sequer tocou no nome da Celesc. Os acionistas tentaram fazer uma gestão compartilhada, com gestão privada e controle do Estado, para modernizar a empresa. Isso daria mais agilidade à Celesc, era uma saída do tipo ganha-ganha. Ninguém sairia perdendo. A Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, também acionista da Celesc) propôs o Novo Mercado (práticas de gestão mais rígidas) e tínhamos o apoio do governo. Aí os funcionários fizeram aquele barulho todo e acabaram com a reunião do Conselho. Tiraram da pauta e nunca mais se tocou no assunto.

ROMBO

– O maior erro da Celesc foi não investir na geração de energia. Com o que tem de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), ela fatura R$ 60 milhões e lucra R$ 40 milhões. Onde mais existe esta razão? Mas focou na distribuição, que só não dá prejuízo porque colocam R$ 500 milhões de inadimplentes como renegociação. A Celesc tem R$ 1 bilhão de inadimplência. Mas esses R$ 500 milhões são incobráveis. Só constam como renegociados porque, se fizessem um balanço limpo, a empresa teria um prejuízo de, no mínimo, R$ 300 milhões. Não quero ser injusto com ninguém, mas tem muita negociata lá dentro. Uma empresa que troca quatro vezes de presidente em um ano, como é que vai ter planejamento? Nas empresas equivalentes à Celesc, como RGE e Coelsa, todas de gestão privada, o lucro líquido é de 10% a 15% do faturamento. A Celesc fatura R$ 5 bilhões. Por baixo, deveria ter um lucro de R$ 500 milhões por ano. Em 2009, lucrou R$ 130 milhões. Este ano, deve ficar em R$ 30 milhões. Ou seja, desaparece R$ 1,5 milhão por dia na Celesc.

DEMISSÕES

– Estudei o Programa de Demissão Voluntário Programado (PDVP) da Celesc. Se for implantado como está, vai acabar com o patrimônio líquido da empresa. Pelos cálculos que apuramos com base em dados da intranet da Celesc, de lá de dentro, quem ganha um salário fixo de R$ 2.280,29 para trabalhar hoje, vai receber 96 parcelas, oito anos, de R$ 6.556,56. Um total que equivale a 24 anos de salário na carteira. E ainda por cima, com data marcada só para dezembro de 2010. A Celesc tem um custo de pessoal R$ 200 milhões acima do que prevê a empresa referência (da Anatel) por ano. Precisa demitir. A necessidade é de 4.614 funcionários. A Celesc, entre funcionários e terceirizados, tem 7,1 mil, 2,5 mil mais pessoas do que precisa. É preciso ressaltar que, em 2001, o PDVP demitiu 1.081 pessoas por R$ 840 milhões. O Eduardo Moreira disse que recontratou 1.082. Foram R$ 840 milhões jogados fora. E vai se repetir o erro agora, com o dobro do custo. A diretoria fala em R$ 600 milhões. Não acredito. Com os reajustes, eu acho que este PDVP não sai por menos do que o dobro do outro, algo como R$ 1,7 bilhão. O patrimônio líquido da Celesc, o valor dela de mercado, é de R$ 1,4 bilhão. E tem mais: o PDVP vai até três anos depois de terminada a concessão da Celesc. E o Sérgio Alves (atual presidente da Celesc Holding) já disse que vai readmitir, pelo menos, 30% do pessoal. Saem 1 mil, voltam 300. Tem 1,5 mil pessoas sobrando nos escritórios, e o pessoal que vai sair é justamente quem não deveria, que detém o conhecimento. Sai para voltar depois. Esta turma é muito esperta. São corporativistas. A Celesc é uma empresa catarinense, mas só para 2 mil catarinenses: funcionários, devedores e alguns políticos corruptos. A única atividade social da Celesc é não cobrar as indústrias têxteis e cerâmicas de SC.

MONREAL

– O caso da Monreal (empresa contratada para terceirizar a cobrança) é o mais absurdo de todos. Não sei se o Dilson (Oliveira Luiz) foi conivente ou se não sabia o que estava fazendo. Ele foi parar na diretoria comercial por indicação dos funcionários. E tratava de cobrança. Eu já desconfio por aí. Em qualquer empresa, cobrança é coisa para diretoria financeira. Enfim, o Dilson entrou na diretoria comercial e foi assinando tudo o que passavam para ele. Inclusive, o uso indevido de dinheiro para a Monreal. Outro rombo, dessa vez uma fatura de R$ 12 milhões. Quando foi afastado do cargo, saiu dizendo que muitos interesses ficaram contrariados. Interesses? Só se for o interesse da Monreal, que, de junho de 2006 a dezembro de 2008, passou a ter pagamentos, antes de R$ 600 mil a R$ 800 mil, de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões por mês. Durante 30 meses. Uma empresa de cobrança completamente desnecessária. A Celesc tem SPC, Serasa e corte de energia para fazer o inadimplente pagar, e 1,5 mil pessoas nos escritórios que podiam fazer isso. Não precisa da Monreal, que só fazia o seguinte: em vez de entregar a carta de cobrança depois de 90 dias sem pagamento e já com corte de energia, entregava a carta com 45 dias sem pagamento.

DEVEDORES

– Quando eu pedi a lista de inadimplência da Celesc, a diretoria demorou seis meses para me entregar. E ainda o fez num arquivo (de computador) que nenhum dos conselheiros conseguiu abrir. Eu consegui porque tenho o back office da Videolar. Mesmo assim, o pessoal demorou. Se fosse imprimir a lista, gastaria uns 50 quilos de papel. Imprimi só as 20 primeiras páginas e as 20 últimas. Nas primeiras, empresas que seguramente não são inadimplentes, com altas dívidas. Nas últimas, mais de 2 mil contas abaixo de R$ 10 e dezenas de débitos de R$ 0,01. O mais incrível: nunca tinha sido emitida uma lista de inadimplentes na Celesc.

ESTATUTO

– O governador Luiz Henrique, para expiar seus pecados de não ter tomado uma atitude decisiva pela Celesc antes, decidiu dar um presente para a empresa. O que não fez em oito anos, decidiu fazer em uma semana. Encaminhou um novo estatuto, com mudanças significativas que precisam de aprovação na próxima Assembleia Geral. Como o Estado é controlador, deve aprovar o que ele mesmo pediu. E nós fizemos algumas mudanças. Pela nova proposta, o controlador só pode indicar o presidente. A diretoria deverá ser profissional, preferencialmente do quadro funcional, ou através de cinco indicações de empresas head hunter, com aprovação do Conselho. Também prevê assembleia por videoconferência, quando for assunto emergencial. Isso porque, se o conselheiro é de fora, a Celesc tem que pagar estadia e passagem. Não vai mais precisar. Também propõe reduzir o intervalo das reuniões de 45 dias para 30 dias. O objetivo é garantir uma gestão profissional, cortar custos desnecessários.

PERMANÊNCIA – Hoje eu não tenho como me desfazer das ações da Celesc. Elas não têm liquidez. E eu compraria mais porque, em algum momento, essas barbaridades vão aparecer e a farra vai acabar. Às vezes, as coisas precisam piorar para melhorar. Nos chamam de especuladores, mas não dá para especular porque não tem comprador. Os papéis saíram do Índice Bovespa. As negociações eram de R$ 5 milhões por dia, caíram para R$ 300 mil por dia. Somos compradores que querem melhorar os resultados. Mas SC briga com os investidores, bate nos fundos. O nosso interesse é implantar planejamento estratégico para recuperar a companhia. A Celesc tem potencial.

Comentários

  1. É REALMENTE QUANDO A GENTE SABE DE MUITA SAFADEZA, NÓS ( EU, NO MEU CASO)NEM FICAMOS BOQUIABERTOS. INFELIZMENTE NÃO TEMOS COMO PROVAR DAS FALCATRUAS QUE OCORREM, OU OCORRERAM.
    VOU EXPLICAR UM FATO QUE ACONTECEU COMIGO EM 1990:
    FUI FUNCIONÁRIO DA CELESC, OBTINHA A FUNÇÃO DE AJUDANTE DE OPERADOR DE SUBESTAÇÃO, APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO, FIQUEI OS TRÊS MESES COMO DETERMINA A CLT. E FUI DEMITIDO INJUSTAMENTE. SABEM POR QUE?
    FALTANDO MENOS DE 3 DIAS PARA VENCER MEU CONTRATO DE EXPERIÊNCIA, DEVIDO A UM ERRO CAUSADO PELO OPERADOR DA SUBESTAÇÃO, ACABARAM COLOCANDO TODA A CULPA SOBRE MIM, SENDO QUE EU ESTAVA NO MOMENTO DA FALHA. COMO EU ERA APRENDIZ E MUITO NOVO NA ÉPOCA - 18 ANOS - NÃO TIVE NEM A CHANCE DE ME DEFENDER, RESULTANDO NA MINHA PRECOCE DEMISSÃO, A QUAL MARCOU MUITO MINHA VIDA. TENHO MUITO MAIS PARA CONTAR SOBRE ESTE CASO, MAS O QUE DIGO, É QUE DE LÁ PRA CÁ, INFELIZMENTE ENXERGO A CELESC - E MUIOTS DE SEUS COLABORADORES, AVALIADORES, ENGENHIEROS, ETC, (ALGUNS ATÉ APOSENTADOS) COM UMA CERTA OJERIZA.

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