Fulguras de um poeta



Ah, que bom seria


se acordássemos,


nesta manhã chuvosa,


sem riscos de morte,


assaltos intermitentes,


diabruras no trânsito,


o SUS se despedaçando,


e a memória nacional,


esta instável manifestação


de rubras emoções,


abrisse todos os seus arquivos,


e os porões da maldade


fossem de vez escancarados


à atualidade dos nossos


sentimentos urbanos,


pequenos e escanhoados,


igual a barba bem feita!


Ah, que bom seria


se o sexo não fosse torturado,


entre coxas e vulvas feridas,


debaixo da tirania do desamor,


das imprecações do mau desejo,


com que o amante vibra o tom


da sua infância perdida,


tão mal resolvida por mães


de mãos e mentes devoradoras,


atarantadas na introjeção


dos objetos amorosos,


esses a partir dos quais


elas plastificam o mundo


e sedimentam o reino uterino!


Ah, que bom seria


se pudéssemos falar ao outro


sem as reservas da frágil educação,


apenas para evitar o confronto,


enquanto as imaginadas aparências


resumem as histórias a peças


sem fundo e sem cor,


na manifestação entusiástica


de que estamos todos bem,


instados, porém, a discursos solenes,


às maltrapilhas deformações do juízo,


na espera, contudo, da versão oficial,


a que sempre resolve e torna emoliente


seja o cansaço, a dor ou o ódio disfarçado!


Ah, que bom seria, se o poeta


não se amargurasse mais,


de modo a só querer a luz do sol,


a quietude das madrugadas,


o beijo e o abraço inesgotáveis,


para o instante do silêncio que excede


toda palavra sem verso, sem canção!


Daladier Carlos


18 julho, 2012

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