Nem aposentadoria nem água



                Carlos Lúcio Gontijo       
        Sejamos francos: dentro da grande mídia não há jornais nem para ler nem para ver. Blogs e sites na internet quebraram o monopólio da notícia, mas a velha mídia e seus proprietários de sempre ainda cultivam o vício de plantar e editar notícias, ao passo que seus editorialistas e colunistas, numa tentativa de agradar seus patrões, radicalizam os seus discursos, passando a promotores ou vaticinadores de crises e caos. Se levarmos em conta o noticiário da grande mídia, chafurdada em partidarismo político, não temos à frente apenas o limiar de um golpe nos horizontes da política brasileira, mas todo o desenrolar de um novelo de horrores sem fim na vida de cada um de nós.
         A violência é estampada, com toda a sua crueza, pela imprensa. Se o repórter chega atrasado e não encontra o corpo estendido no chão, ele fotografa o sangue da vítima na calçada – mais que bala perdida, temos meios de comunicação completamente perdidos e cada vez mais afogados em crise de credibilidade. Contudo, insistem em escamotear fatos, mesmo sob a certeza de que serão instantaneamente desmedidos pela informação virtual, como se deu no caso da bolinha de papel atirada em José Serra, então candidato à Presidência da República pelo PSDB, e que foi transformada em bólido mortífero pelo jornalismo da Globo, com apoio de perito criminalista e tudo o mais.
        Assistimos temerosos à “justicialização” da política e à transformação da atividade parlamentar numa espécie de trabalho ilegal, onde todos são bandidos e merecedores de cadeia. A sanha irracional comete o equívoco de propagar a ideia de que tudo seria solucionado se acabássemos com a existência da classe política, que segundo o que se alardeia parece ter vindo de outro planeta e não do próprio meio social em que vivemos, onde existe muita gente desejosa de ascender ao poder que jamais seria eleita nem para síndico do prédio em que mora, que acha que o povo cheira mal e que pobre tem mais é que morrer, culpando-o pela falta de competitividade e incapacidade de sucesso no mercado de trabalho.
         Aos olhos neoliberais, que veem as políticas sociais de compensação como gasto público indevido, sob a inconfessável teoria de que o funcionamento da economia produz dejetos tanto de ordem material quanto humanos. Ou seja, os que não servem à força de trabalho capitalista, numa seletividade economicamente natural, merecem ser condenados à morte e descartados em benefício da massa perfumada, a parte boa do estrato social.
               Nesta semana, fomos dar prova anual de vida ao INSS, que ciente do estrago que promove na qualidade de vida dos trabalhadores aposentados, através do famigerado fator previdenciário e constantes reajustes abaixo dos reais índices de inflação, chega a imaginar, com toda a razão, que muitos deles, em curtíssimo espaço de tempo, sairão do duro combate, não resistirão às filas do SUS e ao alto preço dos medicamentos. Pois bem, seguimos os trâmites legais da exigência burocrática e confirmamos ao governo a nossa existência renitente. À noite, a mídia do “está ruim, mas pode piorar”, jogou na tela da tevê o crescimento das despesas (não seria investimento em desenvolvimento humano!) do governo com os aposentados, com os conhecidos e sisudos comentaristas de todo o dia, verdadeiros “condes da boa morte”, ampliando o quadro da notícia ruim. A neta Luara, que em agosto desde ano completará 15 anos, estava em cômodo ao lado, entretida no computador. Sorte dela, pois o exercício futurístico de duas manchetes em sequência, afirmava que, em pouco tempo, não haverá aposentadoria e muito menos água potável em quantidade suficiente!
       Carlos Lúcio Gontijo
      Poeta, escritor e jornalista

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