Grupo CRH, dono da Tigre, lança projeto para “Campo Alegre ser nova Gramado”

 



Grupo CRH, dono da Tigre, lança projeto para “Campo Alegre ser nova Gramado”

Multinacional Tigre vai investir este ano R$ 300 milhões

13/05/2023 - 19h53 - Atualizada em: 13/05/2023 - 20h18

Estela Benetti

estela.benetti@nsc.com.br

Empresário Felipe Hansen, presidente do conselho do Grupo CRH, de Joinville

Empresário Felipe Hansen, presidente do conselho do Grupo CRH, de Joinville Foto: Estela Benetti

Presidente do Conselho de Administração do Grupo CRH, controlador da multinacional Tigre e de outras organizações, empresário Felipe Hansen, de Joinville, lança mais um grande projeto imobiliário, o empreendimento Paraíso das Araucárias. Situado em Campo Alegre, cidade de 12,3 mil habitantes, no alto da Serra Dona Francisca, Norte de Santa Catarina, onde se destaca o turismo de inverno, o projeto vai criar uma moderna centralidade, com ocupação de parte da fazenda familiar de 600 mil metros quadrados.

Segundo ele, o investimento será de R$ 60 milhões, para um valor geral de vendas (VGV) de R$ 175 milhões. Esse projeto, com início das obras previsto para o quarto trimestre deste ano, é o segundo empreendimento de urbanismo de ponta do Grupo CRH. Ele já tem em fase de licenciamento o Cidade das Águas, projeto de R$ 700 milhões de investimentos que vai construir em Joinville um bairro inteligente em parceria com a Pedra Branca.  

Ao mesmo tempo, Felipe Hansen segue atento à Tigre, principal empresa do grupo, fundada pelo seu avô João Hansen Júnior, na década de 1940, que vai investir este ano cerca de R$ 300 milhões. Em 2022, a empresa teve mais um ano forte, com receita líquida de R$ 5,881 bilhões e lucro líquido de R$ 612 milhões.

Em entrevista para a coluna, Felipe Hansen também falou sobre o trabalho do Instituto Carlos Roberto Hansen, que faz 20 anos, sobre empresa do grupo que tem sistema de tratamento de esgoto em módulos, o Unifam, e sobre a sua trajetória no grupo que começou há 25 anos, como estagiário.

Entre os investimentos novos do Grupo CRH está um novo empreendimento imobiliário em Campo Alegre, acima da Serra Dona Francisca. O que o senhor pode antecipar sobre esse projeto?

- Começaremos a obra no último trimestre deste ano, já estamos com o projeto da primeira fase liberado, então a perspectiva é boa. Estamos construindo um showroom para fazer esse lançamento em Campo Alegre. Vai ser um negócio bem diferente na cidade.

É uma terra que pertencia ao meu avô (João Hansen Júnior, fundador da Tigre, em 1941, falecido em 1995), e a gente costuma brincar que ele fazia home office lá. Nos meses de janeiro e fevereiro, ele saía da agitação da praia e ia para Campo Alegre. E o pessoal ia despachar lá com ele, subiam de carro a Dona Francisca e iam falar com ele no escritoriozinho que ele tinha na fazenda.

Com um telefone fixo, ele administrava de lá a empresa. Nas férias de julho, ele me roubava e me levava para lá. Meu pai (Carlos Roberto “Cau” Hansen, falecido em 1994, em um acidente aéreo) acabou ficando com a fazenda e a gente cuida desse lugar desde então. Para mim, é um lugar de infância. E eu fui crescendo e foi me dando uma angústia, porque Campo Alegre não muda há 50 anos. E é fácil de entender, as terras estão nas mãos de poucas famílias. E a cidade acabou se desenvolvendo na parte norte.

Os empreendimentos que existem lá são chácaras, um pouco distantes da cidade, o que no meu ver é um problema, porque como não tem comércio, não tem cliente, e não tem cliente porque não tem comércio. Então as pessoas acabam fazendo as compras aqui em Joinville, enchem o carro e vão para lá. Não fazem nenhum tipo de comércio na cidade, e isso não ajuda a economia local.

E onde fica essa área de vocês?

- Para quem conhece Campo Alegre, a nossa área é ao lado da prefeitura, em frente à rodoviária até a Cascata Paraíso. Tem uma rua que divide o nosso terreno e vai até a Cascata Paraíso, que é aberta ao público. Então temos uma oportunidade única de fazer um adensamento do centro de Campo Alegre, trazer as pessoas para morarem ali.

O projeto, que se chama Paraíso das Araucárias, terá duas fases. Na primeira, que a gente chama de Vila, teremos terrenos residenciais a partir de 1.000 metros quadrados e, também, um boulevard, ligado a uma rua que já existe, com prédios baixos, de três pavimentos, com a parte térrea com fachada ativa. Acreditamos muito nesse projeto, porque fica uma cidade mais humanizada, um ponto de encontro e uma requalificação do centro de Campo Alegre.

Teremos ali um misto de residências, de apartamentos e de comércio, gastronomia, serviços, em que as pessoas poderão ter essa vida no campo, mas com as facilidades da cidade. Cafés, padaria, lojas, para que as pessoas não precisem ir até São Bento do Sul comprar algo que precisem. Todo mundo fala que Campo Alegre pode ser a nova Gramado, mas precisa de fato dar o pontapé inicial.

Quando a gente olha para cidades de inverno, como Campos do Jordão e Gramado, existe essa ideia. Mas em Campos do Jordão, o que mais tem são os ricos São Paulo que foram para lá, construíram suas mansões e se fecharam nelas. Isso acontece, em parte, também em Rancho Queimado, em SC. A ideia de vocês é ativar a cidade, abrir ela para todo mundo, como Gramado, no RS?

- É exatamente isso. Na segunda fase vai ter um condomínio fechado, mas nessa primeira fase haverá também segurança eletrônica. As pessoas vão poder circular, caminhar desde a rodoviária até a cascata. A CRH doou para o município um parque linear e a praça, e é em volta dela que as coisas vão acontecer.

Fizemos uma doação através de uma operação urbana consorciada, a primeira de Santa Catarina. A Cascata Paraíso é uma queda d’água de 60 metros de altura, entre duas rochas magníficas, um ponto turístico muito bonito. Os mais corajosos podem até tomar banho ali na água fria. No pé dela fizeram um bar e um restaurante com música ao vivo, já virou um point da cidade. Esse projeto, então, vem agregar, trazer uma nova centralidade ali naquele local.

Masterplan Paraíso das Araucárias foi premiado pela publicação Projeto + Galeria da Arquitetura 2023

O que é essa operação urbana consorciada?

- É o seguinte, você faz algumas coisas para a prefeitura, aquilo que ela necessita, que é infraestrutura, urbanização, segurança e o cuidado com aquele espaço. E você ganha em troca um potencial construtivo no seu empreendimento. Isso nos proporciona uma segurança jurídica de poder empreender, porque é um projeto de longo prazo, e isso é muito importante porque não há o risco de mudar a regra do jogo no meio do caminho.

Estamos entregando por volta de 60 mil metros quadrados de infraestrutura urbana e área de lazer para a população em troca desse nosso projeto. Nós contratamos para esse projeto um escritório internacional e, para nossa surpresa, o nosso masterplan do Paraíso das Araucárias foi escolhido recentemente como o melhor do Brasil pela Revista Projeta.

E todos os investidores com quem a gente vem falando ficam também surpreendidos com a transformação que faremos naquele local. Hoje, quem está investindo em Campo Alegre são pessoas de todo o Brasil e, também, de fora do país. Não é mais só o pessoal de Joinville. As pessoas entenderam a beleza daquele lugar, mas elas precisam de um atrativo, de comércio, de alguma atividade, para poderem gastar algum tempo e deixar algum dinheiro na cidade. Nossa previsão para o projeto é investimento de R$ 60 milhões e um VGV (Valor Geral de Vendas) de R$ 175 milhões. A partir do quarto trimestre deste ano vamos iniciar as obras e vamos gerar diretamente 1,2 mil empregos, o que, de cara, vai dar uma boa movimentada na cidade.

Projeto de mirante na cascata

Esse não é o único projeto de urbanização que o grupo CRH está empreendendo. Pode falar da Cidade das Águas, de Joinville?

- Sim, vamos falar então do (projeto) Cidade das Águas. É um terreno que era utilizado na operação da Tigre, uma parte era utilizada pela Sociedade Recreativa Tigre, que meu avô fundou há 58 anos, e hoje se chama Parque Hansen e é administrado pela holding CRH. Toda essa área vai dar espaço ao novo bairro que se chama Cidade das Águas, onde era o parque operacional da Tigre, aqui dentro de Joinville.

Esse terreno acabou virando um grande vazio urbano, o que estava me incomodando bastante. E, tendo essa oportunidade na mão, e vendo e aprendendo um pouquinho com o que a Europa faz com esse tipo de lugar, vimos que, talvez, a vocação aqui era realmente partir para um projeto desse tamanho. Normalmente, um projeto desse porte é feito à margem das cidades, como a Pedra Branca em Palhoça, por exemplo, que é longe de Florianópolis. É preciso convencer as pessoas a morarem lá. Aqui é diferente. A gente já está no centro da cidade. Você não precisa convencer ninguém a vir morar aqui porque já é uma região muito consolidada.

Conheci o Marcelo Gomes e o Valério Gomes e fui fazer uma visita a eles na Pedra Branca. Na hora que bati o olho vi que era aquilo que a gente quer fazer aqui em Joinville, especialmente a última parte que eles desenvolveram que é o Passeio Pedra Branca, com toda aquela conformação de praça e do conceito de cidade para as pessoas, que é morar, trabalhar, estudar e se divertir ao passo de uma caminhada.

É isso que a gente vai entregar aqui para Joinville, usando também o conceito de fachadas ativas, como um shopping aberto com todas as facilidades de comércio, mercado e serviço. A gente já tem uma âncora importante que é o Musicarium (centro de formação de orquestras, para o desenvolvimento de jovens talentos). Fizemos a doação do melhor espaço, de frente para a praça, para a construção da sede, que vai ser uma escola de música e um concert hall com capacidade para 700 pessoas.

É um projeto bastante audacioso, com a pretensão de ser uma das melhores casas de música do Brasil e da América Latina. Estamos em fase de captação de recursos via Lei Rouanet. Eu faço parte do conselho do Musicarium, e vai ser uma oportunidade de transformar essa questão da cultura na cidade.

E como vai ser esse projeto urbanístico?

- Não vai ter casas. Vão ser todos projetos verticais, uma mescla de produtos entre as classes A, B. C e D, apartamentos de 60 metros quadrados até acima de 400 metros quadrados. E já na primeira fase a gente vai entregar esse mix de produtos.

Joinville merece um produto desse tipo e, também, tem a questão de deixar um legado da nossa geração para a cidade. Meu avô construiu um negócio belíssimo junto com a cidade de Joinville, meu pai continuou, minha mãe também. E veio essa vontade da gente, enquanto CRH, a nossa geração, deixarmos também um legado para a cidade. A gente espera que as pessoas fiquem animadas e façam também essas intervenções

inteligentes que a gente vai fazer aqui. Acho que a Cidade das Águas é isso: transformar, organizar, e depois colocar as pessoas em primeiro lugar.

E como é que estão os prazos dessa Cidade das Águas. Estão mais avançados que o projeto de Campo Alegre?

- A gente está no final do licenciamento da primeira fase, que vai acontecer onde hoje é o Parque Hansen, no campo de futebol. Essa primeira fase deve levar uns 10 anos, e depois a gente vem para o lado da rua Ottokar Doerffel, onde está também o Condomínio Industrial. Então, para suportar os clientes (industriais) que estão conosco há muitos anos, estamos fazendo um parque industrial ao lado da unidade da Tigre na BR-101 (em Pirabeiraba), que a gente julga que é o lugar adequado para indústrias.

Na verdade, esse movimento vai acontecer naturalmente, porque não faz sentido ter uma indústria dentro da cidade. Aqui no prédio, que era todo da Tigre, nós temos 158 CNPJs, e circulam 60 mil pessoas por mês. Antes, a TI da Tigre ocupava um andar inteiro, hoje cabe numa sala de 60 metros quadrados porque o resto está todo na nuvem.

A gente foi transformando o prédio num business aqui da CRH, temos vários inquilinos. Temos outras empresas que ocupam outros andares e alguns espaços dedicados ao coworking. Criamos aqui um ecossistema e utilizamos todo o prédio, as pessoas acabam se servindo umas das outras, tem o contador, tem o advogado, tem o pessoal da franquia do hambúrguer. Acho que urbanismo é isso, dar espaço para as pessoas. E o parque industrial vai acontecer um pouco mais para frente.

A Tigre sempre teve um importante componente social, e este ano o Instituto que leva o nome do seu pai, Carlos Roberto Hansen, completa 20 anos. Como está este trabalho?

Hansen - Chegaremos até dezembro com 6,5 milhões de jovens atendidos, é um número muito expressivo, com R$ 75 milhões investidos em 7.400 projetos. Isso começou em 2003, dentro de casa. Quando o meu pai foi embora (faleceu em 1994), minha mãe e nós, filhos, descobrimos que ele fazia várias coisas, ajudava várias entidades, sem ninguém saber.

As pessoas começaram a bater aqui perguntando: “Como é que nós ficamos”? Então acabávamos ajudando, só que não tinha foco. Então, resolvemos criar o Instituto CRH, com foco na criança e no adolescente, nos lugares em que a Tigre tinha um parque fabril. E os pilares definidos foram educação, saúde, esporte e cultura.

Ao longo desses anos a gente observou como a constância vai transformando a vida das pessoas. A gente trabalha com facilitadores nas fábricas. São as pessoas, voluntários dentro das fábricas da Tigre, que conhecem as realidades locais e nos trazem as demandas. Funciona de forma descentralizada, e eles acompanham aquela ação que a gente está fazendo.

Também estamos empenhados em aumentar o número de voluntários entre os funcionários da Tigre. A meta é chegar a 7% do total com o voluntariado. Hoje, temos 5.350 pessoas, e só neste ano conseguimos 368 novos voluntários. Estamos conseguindo engajar do comitê executivo ao chão de fábrica, todos estão empolgados. Temos o exemplo lá no Jarivatuba (bairro de Joinville), que é preparar a gurizada para o mercado de trabalho. Alguns profissionais nossos vão lá nas escolas, desde o analista até o gerente, para dizer o que é o mundo do trabalho e quais os desafios que ele teve até chegar na Tigre.

Esse conceito é levado também para o exterior? Porque vocês são uma multinacional bem distribuída.

- Sim, esses projetos estão rodando em todos os países em que estamos presentes. Nosso foco é ajudar as crianças das comunidades em que atuamos. Mas, durante a pandemia, começaram a surgir muitas demandas de funcionários que não estavam conseguindo com o seu salário cobrir todas as despesas. Ajudamos alguns profissionais e isso nos abriu uma avenida, que é poder apoiar os funcionários.

Aí surgiu, junto com a área de pessoas, o projeto Meu Banheiro Novo. Em algumas comunidades, por exemplo, na casa do funcionário, onde moram seis, sete pessoas, tem televisão de 40 polegadas, geladeira, mas tem o banheiro do lado de fora. Fizemos aqui na região Sul uma parceria com Banco da Família de Lages, da Isabel Baggio, e ela, que é uma guerreira, financia a reforma do banheiro dentro de casa por um preço legal e a gente subsidia se os produtos (canos, tubulações, etc) que são da Tigre.

A gente também tem uma maratona de inovação social, que desenvolvemos lá fora também, temos o Dia Global do Voluntariado, no qual todas as unidades, quase que simultaneamente, fazem alguma ação voluntária nas comunidades.

Como se estrutura, financeiramente, o Grupo CRH?

- A gente está se preparando para que, nos próximos anos, 50% ou mais dos recursos venham de fora da Tigre. Temos os projetos imobiliários, mas muitos dos terrenos que a gente tinha e que não eram foco, nem de desenvolvimento, que a gente não ia utilizar, vendemos para transformar em ativo financeiro e criar uma carteira de investimentos dentro da CRH.

Hoje, é uma carteira importante e um dos braços de receita da CRH. E tudo o que estamos projetando hoje faz parte desse esforço para termos uma certa independência da Tigre. É um projeto também de educação para a quarta geração, para que, daqui a 30 anos, meus filhos e meus sobrinhos possam estar ajudando e trabalhando junto no desenvolvimento desses e de novos projetos.

E agora, falando da Tigre, pode contar um pouco da sua trajetória e como está o momento da empresa?

- Eu comecei na Tigre bastante cedo, vou fazer 25 anos de empresa este ano. Entrei como estagiário e fiz aquela via sacra por todas as áreas para conhecer a empresa detalhe por detalhe. Vim trabalhar na CRH, que já era a holding, sem cargo específico, e fui conhecendo um pouco das coisas a partir da visão do acionista. Logo depois de 1994, quando aconteceu o evento com meu pai, já tinha uma gestão profissional.

Comecei em 1998 e, na época, o CEO era o Amaury Olsen. Minha mãe era presidente do conselho e uma mulher em cargo de liderança, naquela época, era super interessante. Ela não conhecia nada de gestão, mas veio para dentro da Tigre para cuidar das coisas dos filhos, e pegou toda aquela parte de briga familiar que é conhecida e pública, dos meus tios. Essa briga, graças a Deus, já se encerrou.

Ela pegou um período de bastante crescimento da Tigre, e teve inteligência de montar um conselho de administração que a ajudou bastante naquele momento. Ela trouxe capital da Previ e do Bradesco, que viraram nossos sócios e compraram a parte que era de um tio. Anos depois, a gente fez uma oferta pública de ações e recomprou as que eram do Bradesco e da Previ. Os sócios da empresa, eu, minhas irmãs e minha mãe, estão representados hoje pela CRH.

O senhor assumiu a presidência do Conselho da Tigre em 2015. Como foi essa transição?

Hansen - Eu já conhecia melhor e profundamente as operações, mas em 2013 a minha mãe se afastou por motivo de doença, foi tratar de uma leucemia, ficou dois anos internada. Assumi interinamente a presidência do Conselho em 2014 e, definitivamente, em 2015. A gente trouxe um novo CEO para substituir o Evaldo Dreher, o Otto von Sothen, um executivo do mercado e estamos juntos desde então.

Eu assumi no segundo semestre de 2015, e aí experimentamos uma crise aguda no nosso setor, de 2015 a 2017 foi um triênio difícil, o mercado da construção civil encolheu 30%, fundo do poço. A gente ficou num modo de sobrevivência até passar essa tempestade. Fizemos o dever de casa, reestruturamos a companhia, trouxemos as pessoas que a gente precisava para o nosso projeto de crescimento que já estava muito bem desenhado como estratégia da Tigre.

Em 2018, 2019, quando começou a melhorar, veio a pandemia em 2020 e a nossa primeira preocupação foi, “vamos cuidar das nossas pessoas, temos caixa para pagar todo mundo”. A gente estava tranquilo com relação a isso e esse foi o nosso foco inicial. Depois, a gente viu que o mercado começou a andar. As pessoas começaram a ficar em casa muito tempo e, como não podiam sair de casa, perceberam que precisavam melhorar o lugar onde viviam.

Então aí aconteceu esse fenômeno das pessoas cuidarem mais das suas casas, de irem passar mais tempo na sua segunda casa, na praia ou no campo. O valor da terra e dos imóveis afastados dos grandes centros explodiu, e tem pessoas que estão tão lá até hoje. Foi um fenômeno bastante atípico e favoreceu muito o setor como um todo. Foi um triênio maravilhoso, de 2020 a 2022 foram os melhores anos da Tigre. O ano passado foi um ano recorde, a gente tá falando de crescimento de receita líquida de 30%.

Houve também um processo de expansão nesses últimos anos...

- Sim, no meio da crise, a gente fez a aquisição de uma empresa nos Estados Unidos que se chama Dura Plastic. A gente tem uma operação em Jamesville, que fica a mais ou menos 100 milhas de Chicago, há 10 anos, e a gente dobrou o nosso tamanho lá. Hoje somos o quinto player do mercado dos Estados Unidos. É um mercado que tem bastante oportunidade, no qual a Tigre está mirando bastante.

A Tigre tem duas avenidas muito claras de crescimento, uma aqui no Brasil, principalmente no mercado de infraestrutura. O agronegócio sempre vai muito bem no Brasil, e os lançamentos que foram feitos ano passado, ano retrasado, eles estão precisando agora dos nossos produtos, então eu digo que a gente tem uma cauda longa.

A taxa de juros desse tamanho inibe novos lançamentos, mas isso a gente ainda não vai sentir. E outro mercado importante é o Estados Unidos. Estamos bem focados e querendo consolidar a nossa presença naquele mercado. Estamos arranhando os líderes lá, pois as empresas são muito segmentadas. Não existe uma empresa com esse portfólio gigantesco que a Tigre tem.

Isso não ocorre porque os órgãos reguladores dos EUA são mais ativos?

- Não, é porque o card deles é mais segmentado. Quem produz tudo é o pessoal que está integrado com a resina. Então é um mercado de margem baixa e de grande volume. Ninguém que é pequeno vai entrar nisso porque é uma briga dos produtores de resina. E os que produzem conexão, onde as margens são melhores, ainda assim são muito segmentados, são empresas familiares. Lá não existe uma cultura de fábrica como a nossa aqui, de fábricas limpas, modernas. Lá nos Estados Unidos, definitivamente, não vai ver essa essa configuração.

Com o nosso normal, a gente consegue rapidamente, sem investimento tradicional, transformar aquele parque industrial numa produtividade muito melhor do que aquela que a gente fez a aquisição. A Dura Plastic foi um exemplo clássico. A gente aumentou a produtividade em 20% sem botar um dólar sequer.

Como foi passar desses piores anos da recessão de 2015, para esses, como, você falou, de certa forma poética até, os melhores anos de nossas vidas?

- Até vou fazer um paralelo. Eu pensei, será que um dia vou viver essa bonança que o meu avô sentiu nos primeiros anos da empresa? Porque a Tigre teve um crescimento vertiginoso, se verticalizou porque não haviam empresas, no Brasil e no mundo, capazes suprir a velocidade com que a Tigre estava crescendo. A Tigre fazia conexão, e teve que construir a própria máquina. Teve que fazer resina. Foi a época da construção de Brasília. E eu falei: “Será que um dia eu vou ter o gosto de ver alguma coisa parecida?” E graças a Deus, nesses últimos três anos, a gente teve esse sabor de realmente dar um salto muito grande na companhia.

Para essa aquisição nos Estados Unidos, vocês utilizaram capital próprio?

- Foi a capitalização de um sócio, a gente vendeu 25% das ações da Tigre para um fundo norte-americano chamado Advent, um dos principais fundos de private equity (investimento direto em empresas privadas) do mundo, e o único que tem um programa dedicado para América Latina. Eles têm uma base aqui e já havia essa vontade da família de trazer alguém de fora, com competência global.

Como a Tigre tem se expandido muito para fora, a gente achou que trazer um sócio do porte da Advent ajudaria muita gente nesse processo de expansão de forma mais acelerada. A gente namorou durante um ano e pouco até que o deal (o negócio) fosse fechado, então tivemos a oportunidade de se conhecer bastante, com muito cuidado para não errar.

Saber se a nossa estratégia tinha a ver com o que eles pensavam para Tigre e, claramente, foi uma comunhão de visões. Nós seguimos com o nosso plano estratégico sem grandes mudanças, e tudo está indo muito bem. Isso trouxe uma maior eficiência para a companhia e a nossa governança tem se fortalecido.

Como é que vocês foram na Tigre ano passado? Melhor do que esperavam?

- Foi um resultado super desafiador porque a régua que a gente colocou para a gestão foi alta, já que a gente tinha feito um excelente ano de 2021. No quarto trimestre de 2022, o crescimento foi de 4% de receita líquida, um total de R$ 5,881 bilhões, e um aumento de 8% no lucro líquido, que foi de R$ 612 milhões, que foi nosso recorde. Melhoramos em 13% a margem bruta por tonelada.

O Ebitda, em comparação com 2021, cresceu 6% e atingiu R$ 1,051 bilhão, a primeira vez que a gente ultrapassou essa marca de 1 bilhão. Em 2021 a gente bateu na trave, com R$ 994 milhões. Foi um ano realmente excelente para fechar esse triênio e, para este ano, as perspectivas são bastante boas.

Quanto a Tigre vai investir este ano?

- Temos planejado um capex (volume de capital) de R$ 300 milhões, aproximadamente. Não posso antecipar detalhes de onde investiremos.

Como está o mercado do agro para a Tigre?

- O agronegócio sempre bomba muito no Brasil. Assim como a Tigre Saneamento, que a gente tem iniciativa de destacar alguns negócios que a empresa tem como os grandes tubos corrugados e os produtos da Tigre Água e Esgotos; para o agro, também oferecermos a Unifam e uma série de outros produtos. A ideia nossa é crescer nesse mercado, oferecendo cada vez mais soluções para sistemas de irrigação e outros.

Vocês têm uma empresa que vende sistemas unifamiliares de tratamento de água e esgoto. Como é a tecnologia que ela oferece?

- A gente comprou uma startup, a BRWS, que hoje é a empresa Tigre Água e Efluentes, focada em tratamentos de resíduos, de tirar as impurezas da água e transformá-la em água de reuso. Temos um produto chamado Unifamiliar, aqui dentro, a gente chama Unifam. É uma estação de tratamento descentralizada. Trata esgoto doméstico, para residência de até seis pessoas. Transforma em água de reuso e não deixa aquele sedimento de lodo no final, resta água e um resíduo seco. O preço ao consumidor está em torno de R$ 6 mil. Levamos esse produto para a Agrishow (maior exposição agropecuária do Brasil) e registramos alta procura. Descentralizar o tratamento, hoje, pode ser muito mais barato para as prefeituras, por exemplo.  

Como funciona o Unifam?

- É preciso usar uma pastilha de cloro e conectar na energia elétrica. O consumo de luz, por mês, gira em torno de R$ 6,00. O sistema fica enterrado no solo. O mais antigo que temos foi instalado em Garopaba há cerca de quatro anos.

O senhor pode informar alguns dos usuários desse sistema?

- Entre os que estão investindo agora com esse sistema está a prefeitura de Itapoá. A Ilha do Mel, no Paraná, e parte da ilha de Fernando de Noronha também são atendidas com esse sistema. Outro usuário é o prédio do  Google, em São Paulo. Eles preferiram até colocar um corante na água processada pela Unifam porque ela fica tão igual a outra (da companhia fornecedora de água para beber) que ficaram com medo de confundir. O produto Unifam é unitário, mas temos projetos grandes que vão de meio contêiner de 10 pés, um contêiner de 20 pés. Para tratar o nosso prédio, por exemplo, temos um sistema de 10 pés. Aí a gente vai modulando e pode ser uma grande estação de tratamento.

O Brasil tem um novo marco de saneamento, mas o presidente Lula quer mudar. Isso tem gerado polêmicas. Como o senhor vê esse tema?

A nossa visão é um pouco de que é esse negócio tem que acontecer no Brasil. Eu vou fazer 25 anos de Tigre e a gente fala sobre acelerar o saneamento no Brasil há 30 ou 40 anos. A gente nunca vê isso acontecendo. Eu acho que o marco do saneamento vem para tornar esse mercado mais profissional, para atrair players privados com uma margem interessante para poderem operar esse nível de serviço que se deseja no Brasil. O plano é ter 90% do esgoto tratado até 2033. Então, a gente espera que o marco do saneamento siga da forma que ele foi concebido. Acho que o Brasil não pode mais esperar, é reconhecido o benefício na saúde. De cada real investido em saneamento, três economizados na nossa saúde. Então, acho que o Brasil não pode mais esperar, já perdeu muito tempo nessa área.

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